Contos do Navegador
 


Trilogia Inócua - 2

O Beijo do Anjo

John Dekowes

 

“...e o Senhor enviou seus Mensageiros para acolher as almas aflitas... e lhes deu um prazo para restabelecer a paz entre as criaturas...”

...SOCOOOOOORRO!! – grito desesperado no instante em que o ar invade os meus pulmões. Estou todo molhado de suor. Me ergo da cama completamente atordoado. Não compreendo. A criatura ao meu lado também se levanta assustada, mas me indaga num tom de voz carinhoso:

- O que aconteceu, meu amor? Teve aquele pesadelo novamente? Quando será que isso vai parar?

Então ela já sabe. Mas como? Olho para o seu rosto, surpreso. Procuro descobrir se é alguém que conheço.

Surgem mais três criaturas menores, alegres e sorridentes, pulam para cima da cama. Se parecem com a fêmea ao meu lado.

- Como vocês se chamam? – pergunto a que possui os cabelos negros e encaracolados.

Surpresas, as três se voltam para mim e com sorrisos nos olhos, se jogam nos meus braços. A mais alta de pele bronzeada e quem responde.

- Pai, o senhor não se lembra mais de mim? Eu sou Isis, esta é a Tati, e ela é a Carolina.

Sou pai. Elas me chamam de pai! Olho novamente para os lados tentando me localizar. Onde estou? Como posso estar num lugar que nunca estive...? Não me lembro... Mas eu tenho uma mulher e três filhas! Mas será que não é um sonho?

- Em que planeta eu estou? – pergunto àquela que me chamou de meu amor.

Parece que ela compreende a minha situação. Me olha com ar carinhoso e sorri.

- Planeta Terra. E estamos casados há quinze anos! Eu sou Angela e temos três filhas ...

O que aconteceu? Onde foi que tudo deu errado? Minha mente deu um branco. Só me lembro de quando... Quando mesmo? Quinze anos... O que ela quis dizer com isso? O que vem a ser anos?

Ela se levanta e abre a cortina do quarto. Uma claridade forte ilumina todo o cômodo. Minhas vistas ficam ofuscadas. Protejo os meus olhos com as mãos. Depois observo a paisagem do lado de fora. Uma onda vítrea em tom esverdeado que se perde no infinito... um mar. Criaturas aladas de diversos tamanhos sobrevoam aquele espaço completamente azulado. Aquela luz ama-relada toca suavemente a minha pele. É morna... gostosa.

Não sei o que está acontecendo, mas tenho que sair dali. Tenho que sair... me livrar daquele corpo. Tento uma, duas, três, quatro vezes... Nada. Estou aprisionado! A sensação que tenho, é de estar preso dentro de um invólucro de borracha que cede todas as vezes que tento sair, e me puxa novamente para o corpo. As crianças gritam pela mãe. Eu disse gritam? Carolina sai correndo. Isis fica estática, olhando. Tati, a mais velha, se aproxima de mim e diz calmamente:

- Paizinho, o senhor não pode sair...

Porque ela diz isso? Sair para onde? Não quero ir para lugar nenhum. Só quero me livrar daquele corpo! Será que ela não entende....??? Espera aí... Como pode? Será que elas podem me ver?

- Paizinho, lembra-se: Oportunidade!

Oportunidade! O que ela esta querendo me dizer com isso? De repente, lá do fundo da minha alma, surgem imagens, lembranças até agora ocultas para mim. Uma voz interior me diz que sou um “Cidadão em busca de Oportunidades!” Quando foi que eu disse isso? Eu sei que já disse. Mas quando? O que se passa comigo?

- Tati, o que está acontecendo? – pergunta minha mulher chegando com a Carolina do colo.

- Nada. O paizinho é que está querendo ir embora... só isso. Pedi para ele ficar... - responde ela calmamente.

- Ir embora para onde? – retrucou Angela. – Tá ficando louca, menina? Já não basta o seu pai com essa idéia fixa de ser um alienígena? Um dia alguém acredita nessa história e acaba internando ele num hospício!!!!

Tati se volta para mim com aquele rostinho ingênuo.

- Viu? Aproveita as chances!

- Porque você não leva as crianças para passear um pouco? – aconselha a minha mulher. – Quem sabe você não se distrai?

Ninguém! Não vejo nenhum “Viajante”! Que planeta é este que inibe a energia de se espalhar pelo espaço? Porque estou aqui? Qual o motivo? Por que não me buscam de uma vez? Será que somente aquelas que se dizem minhas filhas conseguem me ver? Mas como será que elas me vêem? Porque não se assustam? É isso! Elas são infiltrantes! Vejo milhares de criaturas idênticas a mim... Mas não consigo “ver” quem está dentro. Porque não consigo estabelecer um contato? Vou me aproximar e tentar. Talvez tocando ela possa me conhecer.

- Como vai? – digo olhando bem dentro dos olhos da criatura. Sinto um medo terrível. Me vem a mente o mesmo olhar daquelas criaturas primitivas antes de.... Xython! – XYTHON! – grito entusiasmado.

A criatura se afasta de mim rapidamente.

- Pai, aquele homem está chamando o senhor. – diz Tati me puxando pelo braço, insistentemente.

Eu me volto, e um sorriso surge no meu rosto. Eu vejo “dentro” dele ou deles. Não é somente um, mas vários que estão ali, à minha frente. Finalmen-te, os “Viajantes” chegaram para me buscar.
- Posso saber o que aconteceu comigo?

Ele me explica, que eu mesmo fiz o meu destino, ao se apropriar de inverdades. Vir para aquele planeta repleto de “Glóbulus”, foi quase uma escolha pessoal minha. Afinal, eu era um cidadão em busca de novidades!

- Mas eu estava indo para o planeta Xython!

E o “Viajante” me surpreendeu com o que disse. Eu estava em Xython! Eu já estava aqui há muitas eras, desde quando o Incriado num ato de benevolência, havia separado os planetas xipófagos... e iniciando o processo de seleção no cosmo: A raça impura, da raça evoluída! Eu permanecera naquele planeta... junto com os “Glóbulus”, uma sub-raça primitiva em evolução. Eu devia perceber que todas as criaturas dali possuíam o “livre arbítrio” sobre todas as coisas. Contudo, eram derradeiramente prisioneiros do planeta, e eu deveria acompanha-los de perto, até o “despertar”. Mas eu só tinha uma preocupação em mente.

- Como eu faço então para retornar a Zygghte?

Acho que deveria ter ficado calado, para não ouvir a resposta. Eu tinha todo o poder do universo em minhas mãos. Mas a minha volta à Zygghte, não seria do mesmo modo como vim para este planeta. Disse o “Viajante” tentando me entusiasmar:

- Pense! Raciocine! Você não está fazendo turismo. É um cidadão em busca de oportunidades... Lembra-se? Então aproveita as chances! Você sabe.

Que coisa estranha é essa vida que levo. Toda baseada em princípios humanos que regem o espírito e a razão. Um espírito indomável que não vê a hora de voltar para casa, e uma razão lógica que pondera os meios e os métodos para se chegar até lá.
Mas como fui confinado a passar o resto dos meus dias neste planeta. Só vi uma solução. Encontrar um bom motivo para passar o tempo. Criar minhas filhas foi divertido. E hoje, me trazem os netos para que eu lhes conte como era a vida em Zygghte. Eu sei porque elas fazem isso. Assim como faziam comigo, anteriormente. Para eu não esquecer quem era. Muitas vezes, as lembranças me fugiam da memória, e elas recordavam tudo para mim.

Depois que Angela morreu, foi que eu compreendi o que o “Viajante” havia me dito há muito tempo no passado: Minha volta para Zygghte não seria do mesmo modo, como havia vindo para Xython. Eu deveria aproveitar as chances! Eu sabia. Sabia de uma verdade que nunca poderia ser revelada. Se revelada, poucos a compreenderiam. Se compreendessem não a entenderiam. Se entendessem, passariam a vida toda buscando motivos para acreditar. Mas uma coisa é certa, nunca me acostumei com o nome deste planeta: Terra.

Minha vida chegou ao fim. Aqui do alto, eu vejo apenas três formas de energias me acenando. São minhas queridas filhas. Meus netos fazem parte dos “Glóbulus” que rondam o meu corpo “concluído”, exposto a visitação. Deixei para eles um legado de conhecimento e um caminho para o “despertar”, só espero que aprendam direito a lição.

Finalmente eu estou livre! Sou novamente um cidadão em busca de oportunidades! Sinto as mãos do Incriado bajulando o meu ser, percebo as energias cósmicas se fundindo a minha essência...Alguém precisa de outra coisa a mais? ESTOU EM ÊXTASE...





© John Dekowes  2002-2003.